Thursday, November 04, 2004

Matthew

Hoje, durante o almoço, ouvi alguém falar sobre as eleições nos EUA, que curiosamente (ou não) foram vencidas pelo Mr. Bush.
No meio da conversa, aos poucos fui-me lembrando de uma foto que pus na parede do meu quarto. É um rosto branco, de sorriso escancarado e olhos azuis e inocentes. Conheci-o apenas por uns dias, o suficiente para nunca mais me esquecer daquilo que vi e ouvi naqueles dias. Chamava-se Matthew.
Estávamos na Tailândia, no XX Jamboree Mundial do Escutismo. Milhares de pessoas passeavam por entre tendas, estradas de terra, actividades diferentes. Todos sorridentes, todos diferentes, todos iguais.
O Matthew fazia parte de uma Patrulha norte-americana que estava no meu subcampo. Conheci-o num dia em que, embaraçosamente, decidiu cantar uma serenata a uma amiga.
"I don't understand why girls run away from me when I sing."
Nessa noite, Matthew deambulava pelo campo sozinho, tentando conhecer novas pessoas, trocando emblemas, oferecendo sorrisos e canções sinatrianas.
Era a noite gastronómica, a véspera da Passagem de Ano.
Os seus colegas tinham ficado no campo, não se misturavam com os asiáticos, tinham medo de não sei muito bem o quê. Se é que era medo.
Adoptámos o Matthew a partir daquele momento.
Fez-nos rir. E, num sorriso trémulo, contou-nos que os seus colegas o obrigavam a limpar o campo em sua vez. Que o seu pai, chefe da Patrulha norte-americana, lhe batia se ele não fizesse aquilo que os colegas lhe mandavam. Que, quando tinha trocado a sua farda com um escuteiro nigeriano, o pai o tinha obrigado a destrocar, porque a farda nigeriana não valia um terço do que valia a farda americana.
O pai de Matthew era grande, alto e gordo, de pele branca avermelhada pelo sol, mais parecia um camarão. As suas bochechas descaídas escangalhavam-se num esgar quando pedia aos rapazes tailandeses para não jogarem à bola ao pé do seu campo, e apertavam-se num sorriso de dentes amarelados quando impunha o seu discurso ao chefe inglês.
O pai de Matthew usava um chapéu à cowboy e tudo o que eu queria era dar-lhe um pontapé nas canelas.

2 comments:

A Monochromatic Kind of Man said...

Interessante o texto, baseado em realidade?? De qq maneira os americanos têm a mania que sao reis do mundo devo dizer... E secalhar até são...

joui said...

aCe, desculpa. Eu sei que já leste isto e conheces a história, mas foste o único a quem eu escrevi isso. Já nem me lembro a que propósito, mas lembro-me de te ter contado isso!

LuckyBoy, o texto é todo real e foi vivido. Eu não falo só do palhaço do pai, falo também do filho, que não é palhaço nenhum, mas era tratado como tal; como podes ver a minha intenção não era avançar qualquer juízo de valor acerca dos americanos.