Tuesday, February 22, 2005

Twilight

Ontem. A noite msitura-se com a noção de que o tempo é finito, somos efémeros. A luz do candeeiro interfere no sono que cai por cima do livro. Na escuridão, os cobertores aconchegam e a bátega da chuva é distinta do lado de fora da janela. Naquele momento, a certeza incerta de ainda termos muitos dias daquela fase pré-sono sempre igual.
De manhã, a estrada molhada de fresco cospe carros para as bermas e rajadas de lama para todo o lado. Uma aberta no céu deixa espreitar o arco-íris, nunca tinha visto o seu fim. Hoje vi.
Passou por mim um senhor, de bicicleta, com um saco do Expresso a proteger a careca da chuva. E logo a seguir, passou um carro que me molhou as calças.
As coisas dispersas não estão interligadas, mas pode-se sempre fingir que sim.

Thursday, February 17, 2005

You and Me. Trapezistas

Os dias têm-se assombrado de nuvens negras, tristes e carregadas. Já reparaste? De certo que já. Só que as nuvens que vês são disformes como as minhas e dás-lhes formas que tu queres, que só tu vês e imaginas e que só tu sabes. Viramo-nos para o mundo de forma invertida, viramos o sofrimento do avesso, eu por um lado e tu por outro.
Dá-me as mãos, deixa que os teus olhos entrem pelos meus adentro, não vais ver nada senão íris e pupila (nunca soube distinguir entre as duas, hei-de perguntar ao meu tio, talvez ele me explique qualquer coisa que nem é importante), mas vais ficar com a sensação de segurança que nestes dias só temos com a companhia um do outro, ou dos que andam a esticar a rede de segurança. É isso, temos sido trapezistas em momentos vertiginosos, não caímos ainda porque somos um perfectly matched pair, mas andamos a tremelicar porque ainda precisamos de muito treino.
Podemos ver muitas coisas. Temos olhos que não se cingem às passagens vertiginosas e desinteressantes do dia a dia, já uma vez te disse que não cabemos no tempo. Podemos percorrer ruas e calçadas de pedra e chuva, deixar a lama enrolar nos cabelos e nos corpos e fazemos só aquilo que quisermos, e podemos desempenhar o papel de qualquer coisa que não somos, podemos ser tudo e nada.
Eu sou melindrosa e sonho para lá do real, tu és sólido e arrastão, e nunca veremos o mundo da mesma forma. Somos duas partes complementares da mesma coisa e de tudo que é diferente.
“Se o Joãozinho fosse igual à Joaninha…”
“… não tinha piada nenhuma, pois não?”

Someone other than me

Entrou devagar no quarto que andava a imaginar há meses. O quarto que não era dela, onde não pertencia, entrou só de passagem. Arrastava os passos pesados de cerveja e haxixe, as roupas coloridas, escolhidas a dedo, misturadas e diferentes, distinguem-na da multidão. Não decadente, nem pensar nisso, misturada e quieta, humor cortante e algo se aflora na sua expressão simples que não dá para perceber o que é. Olhou à sua volta, as quatro paredes, cheias de coisas de uma vida que não lhe pertence nem lhe cabe tocar, ela só está ali para ver. Gostava que não fosse assim, mas é o pouco que tem e que pode aproveitar. Despe-se e deita-se na cama que não é sua.
Noutro lugar, outra rapariga esfuma-se em bebidas, fuma charros infindáveis, mata a inquietação que tentou abafar durante tempos. A imaginação surge como um monstro que é preciso calar e os charros também dão para isso. Não dorme.
No quarto, ao lado da cama, há uma mesa de cabeceira que tem uma foto de uma criança que olha o infinito. Ela olha-a e é uma estranha, mas percebe que o quarto tem histórias para contar que não a sua.
A criança, essa, anda perdida em ruelas lúgubres e inimagináveis, continua a olhar o vazio, sempre o vazio, só porque o vazio não dói.

Thursday, February 03, 2005

Too weak to yell

Há dias em que tudo cai por terra e só resta um cansaço estranho. Breves momentos que não cabem nas horas em que se rebola na cama, braços encolhidos no peito e uma vontade angustiante de uivar, de gemer, de ganir. Desespero animalesco. Tudo parece insuportável e nada faz sentido. Nem os caminhos, nem os passos, nem os sorrisos, nem nada. Pequenos instantes em que o medo se instala e apetece fugir, sem saber para onde, sem saber por onde e sem saber como. Os soluços entopem a garganta e fica-se ali, a tremer, agarrados a nós mesmos: a tudo o que temos. E não sabemos o que somos, porque somos, para que é que somos e o que seremos. E ninguém sabe. Ninguém sabe que as gotas que saem pelos olhos sabem a amargo lá por dentro. Ninguém sabe o sabor do nosso amargo e ninguém sabe como é que se dá o doce para cortar o amargo. Ninguém tem o pau de canela, ninguém descobre o açúcar. Passeiam-se mais por perto, fazem passos de bailarinos e palavras bonitas para quê, e têm olhos que não vêem e ouvidos que não ouvem, coração bate mas não sente. Os olhos precisam-se para ver os rostos inchados, os ouvidos para ouvir os uivos cortantes no frio da noite, os corações apenas bombeiam sangue.
No one knows. I'm alone.